Tamanho não é documento • Mefistotélico

Tamanho não é documento • Mefistotélico é resenha de Monique Bonomini em sua coluna semanal na Expedição CoMMúsica. A resenha é do conto de Max Beebohm, ‘Enoch Soames’. 

Diante da finitude que nos ronda, há os que percorrem a vida em busca de uma existência mais perene, aspirando alguma eternidade para si ou seus feitos. No intrigante conto ‘Enoch Soames’, de Max Beerbohm, contudo, nos deparamos com uma questão levantada pela personagem que dá título à história: de que vale a eternidade se não se soube que ela foi conquistada? Referindo-se ao sucesso póstumo que alguns artistas alcançam. 

Enoch Soames, um inglês de aparência questionável, autodeclarado satanista católico, bebe absinto, vive de renda, frequenta os meios intelectuais e escreveu três livros que receberam tão pouca atenção, seja dos colegas seja da crítica, que ele se entrega à desolação, não por sua malfada carreira, e sim pelo que certa feita lhe disse Beerbohm, que narra o conto em primeira pessoa: 

‘os artistas que dão ao mundo coisas verdadeiramente novas e grandiosas estão fadados a esperar por muito tempo até que seu mérito seja reconhecido.’

Beerbohm lançou essa frase numa espécie de consolo, pois se compadecia da figura insípida que Enoch fazia frente ao mundo, atraído não sabia se pela figura excêntrica ou pela fé do escritor no próprio talento, nutria por ele um impulso que não entendia se era da ordem da admiração ou da caridade. 

Afligia Enoch a ideia de que, embora não estivessem vivos dali há cem anos, o museu, seus livros e sua sala de leitura ainda estariam de pé, e com isso a possibilidade de que sua obra estivesse repercutindo no futuro à sua revelia, o que o exasperava, afinal de nada valeria o reconhecimento a alguém que já estivesse morto.  

Surge daí uma inesperada solução para o incontornável dilema enfrentado pelo escritor desprezado, o Diabo se apresenta, propondo um ardiloso acordo: oferece a Enoch uma viagem cem anos à frente de seu tempo para averiguar com seus próprios olhos o impacto da sua obra, em troca, no retorno, ele deverá acompanhá-lo. Beerbohm se opõe com veemência ao pacto, mas Soames entorpecido de curiosidade, aquiesce e parte por cinco horas, em busca de sua imortalidade. 

A partir daí tudo são delícias, Soames volta relatando tudo o que viu e estupefato com sua descoberta, entrega a Beerbohm um pequeno papel com a transcrição da sua pesquisa. Na hora marcada, sob os protestos da única pessoa que o notou, parte com o Diabo enfrentando seu destino. 

Mas o conto não acaba assim, adianto apenas que Beerbohm volta a se encontrar com o Diabo, que de certo modo lhe dá a paga pela descoberta que custou a Enoch Soames a eternidade na danação. 

Essa história, cheia de reviravoltas e com um desfecho que é quase um vórtex, pode ser encontrada na versão original em Seven Men, de 1919, ou na reunião de contos, Antologia da Literatura Fantástica, organizada por Adolfo Bioy Casares, Jorge Luis Borges e Silvina Ocampo. É para ler e reler.