A Escola na Pandemia

A Escola na Pandemia

A Escola na Pandemia é artigo de Silvia Ferreira Lima em sua coluna Cavando Ideias

Esta xilogravura colorida realizada em 2016 tinha o objetivo de desenhar as células sanguíneas, ou hemácias e sua disputa pela vida com o aparecimento de outros tipos de células. Mais tarde, observamos a semelhança dos desenhos com a COVID-19
Xilogravura colorida em magenta e ciano sobre papel alta alvura de 220g realizada em 2016, Campinas SP, SFLIma

Acho necessário detalhar como foram nossos dias, professores de escolas públicas, na pandemia. É importante informar à população sobre o que aconteceu nas escolas em 2020. Por isso, escrevo este artigo com minúcias.

 

Isolamento Social

Lá pelo final de março, as universidades públicas e as escolas começaram a fechar. O Ministro da Saúde do governo Bolsonaro, (ao contrário do presidente, bem como de outros assessores de governo) decidiu incentivar e até forçar o isolamento social, uma vez que toda a estrutura da saúde pública precisava se preparar para atender os milhares de pessoas que iriam adoecer e recorrer aos postos e hospitais públicos. E assim foi feito, graças a Deus e ao Ministro da Saúde que demonstrou muita preocupação e sinceridade no seu papel.

 

 

Pena que o governante não foi assim tão comprometido com a saúde da população. E ficou mais preocupado com os interesses financeiros, que não sei se foram realmente os interesses da nação brasileira.

 

 

Basta verificar os bens que ele e sua família possuíam antes e possuem, agora, ao final do seu governo. (Economia Uol e Revista Fórum)

Quando lembro de tudo o que aconteceu, eu realmente fico muito triste. Não porque tenha votado nele, mas porque perdi meu pai na pandemia. E isso realmente dói muito, mesmo depois de o tempo ter passado. Neste sentido, eu me identifico com os milhares de pessoas que perderam alguém que amavam.

Bom, com o isolamento social, todos tivemos que ficar em casa. Foi o que fizemos aqui, embora não tenhamos encontrado outros membros de nossas famílias, uma vez que nos preocupamos em poupar a todos, não contaminar, sem saber, aqueles que amamos. Ficamos realmente isolados. Lembro do caminhão de coleta de lixo que passava com uma faixa na carroceria que dizia “Trabalhamos para que você não precise sair de casa. Mantendo o distanciamento poupamos a saúde de todos”. (Se, por acaso, escrevi algo errado, peço aos coletores e aos trabalhadores da prefeitura que me perdoem. Acho que o mais importante foi o que escrevi agora.)

 

Preocupações com a Sobrevivência

Nesse momento, todas as preocupações com a sobrevivência e com a manutenção da vida surgiram com mais força. Reuni todos os textos que escrevia há décadas e publiquei dois livros. Eu e meu companheiro nos casamos oficialmente, com juiz de paz e escrivão na varanda de casa, apenas com a presença de nossas filhas como testemunhas. Não incluímos ninguém mais da família ou amigos, justamente porque a pandemia estava no auge e prezamos a saúde de todos. Ainda assim, tive vestido de noiva, maquiagem e buquê, além de  alguns dias de licença NOJO (licença para casamento). Enfim, fizemos como a história da raposa que, pendurada numa árvore, num precipício, faz um esforço para comer a última amora da árvore, antes de cair para a morte.

Mas 2020 foi muito difícil! Com o isolamento, não saíamos de casa nem para trabalhar, porque conectados ao computador ou ao celular, ficávamos ligados 24 horas por dia, respondendo às dúvidas de alunos, de pais de alunos, de colegas, de coordenadores, de diretores, etc. etc. Eu ficava muito mais tempo conectada. Participava de um horário maior de reuniões de trabalho. Pelo menos três vezes por semana, ao invés de uma. Ficava planejando mais atividades, todas autorais. Pelo menos, foi o que aconteceu numa das escolas em que trabalhei. O que ajudou a organizar meu trabalho foi o período do dia em que eu trabalhava em cada escola: uma à noite (aulas para EJA – Educação de Jovens e Adultos) e outra à tarde (aulas para Fundamental II).

 

Trabalho e vida social on-line

Eu encontrava meus colegas on-line. E era o único tipo de encontro social que tínhamos. E, além das reuniões de trabalho, nós desabafávamos e discutíamos o mal estar de todos. Muitos nunca tinham utilizado internet, muito menos nas salas de aula. Mas foi o que tivemos que fazer. Visto que a prefeitura investiu bastante dinheiro na compra de equipamentos: chromebooks para os professores e para alunos que finalizavam alguma fase do Ensino Fundamental, como os alunos dos quintos e nonos anos. Mesmo assim, essas aulas digitais só começaram a surgir como rotinas quase no final do primeiro semestre de 2020. Antes disso, entrávamos em contato com os alunos e suas famílias para não os desestimular, ou ainda, para ajudar aqueles que estavam sem trabalho ou comida. Sim, muitos passaram por isso. Chegamos em vários momentos a fazer vaquinhas entre os funcionários ou mesmo começamos a pedir donativos de outras famílias que poderiam ajudar.

Os recursos iniciais, mesmo quando fomos autorizados pela prefeitura a produzir material didático autoral, eram apenas os celulares de alguns pais. Sem rede de internet. A prefeitura demorou muito para disponibilizar modem para aqueles que não tinham internet em casa e faziam “ligação de gato”, utilizando a internet dos vizinhos. Passamos bastante tempo imprimindo material e deixando na portaria da escola à disposição dos alunos. Era o melhor que podíamos fazer.

Vários grupos de professores de diferentes NAEDs (as diretorias centrais de cada região de Campinas, responsáveis pela educação de cada região da cidade) se comprometeram em retirar donativos, comprar cestas básicas e distribuir para aquelas famílias que sabíamos necessitar de alimentos. Sem mencionar, que cada criança costuma fazer refeição nas escolas, enquanto isoladas em suas casas, não tinham mais essas oportunidades. Por isso, ouvindo vários relatos difíceis, começamos a ajudar. De repente, nos vimos não mais como professores, mas como assistentes sociais, procurando ajudar aqueles que nos pediam.

 

Demora em chegar os recursos necessários

Meses mais tarde, a prefeitura começou a entregar cestas alimentação, que continuamos a distribuir, em primeiro lugar, para os mais necessitados. E, muitas vezes, não conseguíamos ajudar a todos. Bem, a execução sempre demora um tempo depois que as leis são homologadas. Esta é a vida prática. Além de cestas, vários grupos começaram a conseguir aparelhos celulares e distribuir para aqueles alunos que não tinham qualquer aparelho, uma vez que não tinham dinheiro para comprar isso. Felizes, os que podiam utilizar os aparelhos celulares dos pais, quando estes voltavam do trabalho (muitas vezes, esses aparelhos eram entregues pelas empresas onde os responsáveis trabalhavam) para poderem realizar as tarefas de casa, enviadas de uma a duas vezes por semana, via Google Classroom, o aplicativo utilizado pela rede em Campinas.

Procurávamos elaborar lições interdisciplinares de todas as áreas de conhecimento. Sempre com o objetivo de integrar a todas as disciplinas e, ao mesmo tempo, produzir um material coerente e atual aos alunos. Pedagogicamente, foi um momento maravilhoso. Nunca antes, equipes de professores de diferentes disciplinas trabalharam tão unidos e tão coerentemente. Foi um momento em que realmente nos orgulhamos de nossa produção intelectual e do que esperávamos que os alunos aprendessem com isso.  Teoricamente foi perfeito. Tanto que chegamos a apresentar nosso trabalho executado durante esses meses num encontro entre professores da prefeitura ocorrido no final do ano.

 

Lado otimista da pandemia

Lembro também de acompanhar as notícias e de sonhar com a construção de um mundo melhor; mesmo enquanto milhares de pessoas no mundo morriam de covid-19. Outras pessoas, como no nosso caso, acompanhávamos as notícias científicas e criávamos um pânico só de pensar em sair à rua, ou encontrar outras pessoas. Mesmo assim, acreditávamos numa mudança radical do planeta para melhor. A poluição diminuiu drasticamente. O ar ficou mais respirável. Animais que pareciam, antes, estar em extinção, começavam a aparecer. Olhamos estes milagres da natureza e do planeta, como uma grande acolhida para a humanidade.

Acreditávamos que o mundo estava melhorando: trabalhávamos sem sair de casa (mesmo que não tivéssemos hora para trabalhar, ou seja, era em qualquer horário), não precisávamos usar o automóvel para nos locomover. Até as compras de verduras, frutas e pão, vinham à nossa porta. Não gastamos gasolina, nem roupas, nem sapatos. Utilizávamos apenas camisetas e chinelos. Por outro lado, precisávamos fazer mais atividades físicas. Só fui notar esta falta física um ano depois. Mas chegamos a comprar uma bicicleta ergométrica. Bom, nem mesmo meus cachorros saíam de casa. Pelo menos, andavam em todos os cômodos, fazendo alguma atividade física. E também não fomos a médico, nem fizemos qualquer exame de saúde. (Desvantagens graves!)

Ainda não mencionei os diversos relatórios que tivemos que produzir. Cada escola pedia um relatório para as atividades semanais dos professores. E ainda tínhamos que entregar para nossos Orientadores Educacionais, que entregavam para os Supervisores, etc. Muito, mas muito mais trabalho burocrático.

 

Para alguns, nunca há otimismo

E não imaginávamos realmente o quanto mulheres e crianças sofriam em suas casas, com violência e estupro. Tudo o que as escolas e os professores ajudam a resolver ou a salvar, quando as famílias são desequilibradas, quando falta comida, falta trabalho, falta auxílio. Esse foi mais um enorme problema. Daí já sentimos a responsabilidade e o auxílio que as escolas prestam às crianças, aos adolescentes e a seus familiares. Realmente, estamos na linha de frente, cheios de ideias e esperança de que podemos ajudar a melhorar o mundo, ou a sociedade.

Ainda não acaba aqui!

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