Cavando Ideias – Sonhos ao empinar papagaio

Cavando Ideias – Sonhos ao empinar papagaio

Cavando Ideias – Sonhos ao empinar papagaio é artigo de Silvia Ferreira Lima em sua coluna semanal na Expedição CoMMúsica.

Sem título. Monotipia em magenta sobre papel canson branco, 200g, tamanho A4, 2015, Campinas SP, Silvia F Lima

Veio uma forte lembrança de infância, eu, minha irmã e meu pai, íamos ao Parque Ibirapuera aos domingos para empinar papagaio. Isso quando meu pai não preferia ir à USP. Como irmã mais velha, eu deveria ter uns dez ou doze anos, mais ou menos, já minha irmã, tinha entre 7 e nove anos. Nós duas brincávamos muito juntas na nossa infância. Neste período, meu irmão é bem pequeno, entre 2 e 4 anos. Então, ficava muito com minha mãe, quando nós três saíamos para passear. Lembro desde então que meu pai dizia que iríamos estudar na USP. Bem, este foi um grande desejo dele, que eu fiz ser meu desejo até os 18 anos.

Acabei de ler que o primeiro povo que inventou a pipa ou papagaio, foram os chineses. Depois ele foi ao Japão, em seguida à Coreia, e foi muito usado em situações de guerra, pelos militares ao decorrer da história. Vi que ele representa felicidade em vários rituais chineses. Bem, cheguei a acreditar que somente isso me faria feliz de fato.

 

Mudanças

Mas a verdade é que meu pai por volta desta época, justamente no período do milagre econômico brasileiro _ com grande crescimento da industrialização e dos empregos, embora fosse durante a ditadura_ passou oito meses desempregado. Tinha entrado numa dívida com a Caixa Econômica Federal para comprarmos nossa casa. Claro que meu pai ficou desesperado, porque nunca foi fácil arrumar outro emprego em que ele pudesse receber uma salário tão bom quanto ele tinha. Tudo se resolveu quando meu pai recebeu uma proposta de mudança para Tucuruí, onde era construída a hidroelétrica brasileira, no interior do Pará. Passou a dívida da caixa para outros moradores. Ficamos sem a casa e nos mudamos.

Foi uma mudança de vida bem drástica! Realmente fomos morar na Floresta Amazônica. Lembro da enorme aranha do tamanho de um palmo, cheia de filhotinhos, que apareceu na varanda. Dos escorpiões que apareceram embaixo da geladeira. Dos grilos que cantavam tão alto que eu não conseguia dormir. A tal ponto que antes de apagar a luz do quarto, eu olhava bem embaixo das camas e tratava de matar os que estivessem no chão. Ainda assim, do lado de fora da janela do quarto, muitas vezes alguns paravam e ficavam cantando durante a noite toda. Não havia outro barulho, a não ser o barulho dos grilos, às vezes das cigarras, dos habitantes da floresta amazônica, enfim.

As árvores eram imensas, bem maiores de altura do que nossas casas, talvez umas dez vezes maiores. Lembro que do meu quintal, olhávamos para a floresta. Meu pai, na década de setenta, adorava dirigir e nos levava para passear de carro. Era sempre divertido, quanto estávamos em São Paulo. Mas em Tucuruí, bastou uma única vez, nunca nos sentimos tão isolados no meio da floresta. E realmente estávamos isolados. Todos os filhos de funcionários da Camargo Correa ou da Eletrobrás, estudavam na mesma escola. Então, todos se conheciam na vila, muito, mas muito maior do que a cidade de Tucuruí original, que tinha talvez algumas palafitas e uma praça ao redor. Bem, algo do tipo. Sinceramente, já não me lembro de tantos detalhes.

Lembro da primeira vez que viajamos de avião, que foi de São Paulo até a cidade de Belém. Depois, quando saímos do avião, lembro que a temperatura era tão alta, que o forte mormaço dava a impressão de não ter oxigênio no ar. A primeira sensação que tive foi de que eu sufocava. E a pele escorria de umidade devido ao ar quente e úmido. Acho que moramos por lá do final de 77 até o início da 78, por aí. Quando comecei a cursar o colegial ou Ensino Médio. O que acabou acontecendo em Goiânia, onde ficamos em 78, 79 e 80.

Mais mudanças 

Em 1981, morávamos em Brasília, na asa Sul, acho que na quadra 308. Esperávamos o ônibus escolar passar embaixo do prédio e íamos para a escola. Pelo menos, esta foi a minha rotina e a da minha irmã. Eu terminei o colegial em Brasília e prestei o Vestibular, para a Unb (Universidade de Brasília) e para a USP. Desde a época em que eu empinava papagaio na Cidade Universitária, achava que tinha que ir para a USP. Insisti com meu pai. Pedi para seu amigo fazer a minha matrícula na USP. Tive uma excelente classificação então escolhi estudar Francês. Mas acabei estudando na Unb. Primeiro, foi sem gostar, mas depois, como encontrei com ex-colegas de classe e fiz novas amizades, acabei gostando. Cheguei a participar do Coral de Natal da Unb. O que nas palavras do meu pai, foi a coisa mais linda que ele já me viu fazer.

Só que em 1984, mudamos para Goiânia. Fiquei muito decepcionada com o meu pai. Passei décadas culpando-o por me fazer sonhar com a USP e não me deixar estudar lá. No final, acabei estudando na Universidade Católica de Goiás. O que para quem estudava tanto quanto eu, era muito fraca. Então, para acabar com o tédio, eu me meti em política estudantil. Fiz muitas amizades em Goiânia. Principalmente entre os alunos universitários que participavam de política estudantil. Assim, passaram os anos de 84,85 e 86. Quanto aos estudos, bem, acho que eles não eram tão importantes assim naquele período. Eu já pensava em trabalhar, ganhar o meu dinheiro, então comecei a fazer isso.

Em 1987, voltamos para São Paulo, neste período fui estudar na PUC/SP. Onde uma nova vida se desenrolou para mim. Concluí a Faculdade de Letras em 1990. Já em 1992, entrei para o Mestrado em Comunicação e Semiótica. Passei décadas pensando em porque não saí de casa para morar sozinha em São Paulo e estudar na USP? Confesso, que tive medo. Entrei na Faculdade com 18 anos. Vivia sob a responsabilidade dos meus pais, mesmo maior de idade. Comecei a trabalhar para comprar roupas e sapatos novos, que eu gostasse. Também comprava livros, que eu sempre gostei. Sempre amei ler! Tinha uma estante de alumínio com seis prateleiras de livros no meu quarto. E não suportava a ideia de que alguém mudasse meus livros de lugar. Assim, como não permitia que sentassem ou deitassem na minha cama. Sim, muitas manias. E acabei indo onde meu pai ia. Por uns vinte anos.

Assim, quando aos vinte e quatro anos, comecei a guardar dinheiro para comprar meu apartamento. Conselho da minha mãe, que sempre soube lidar melhor com dinheiro do que meu pai. Porém, ela nunca teve oportunidade de demonstrar isso em casa. Deixava meu pai mandar e desmandar. Por outro lado, foi ele quem sempre cuidou de tudo. E nunca houve democracia para perguntar o que achávamos das mudanças ou se queríamos nos mudar. Num dia, em Brasília, um pouco antes de nos mudarmos para Goiânia, eu reclamei isso para minha mãe. Ela só gritava: Ai, meu Deus do Céu! Ai, meu Deus do Céu! Mas nunca fez nada a respeito.

Sem título. Monotipia em magenta sobre papel canson branco , 200g, tamanho A4, Campinas SP, 2015, Silvia F Lima

 

Iguais ao meu pai

Eu e minha irmã sempre quisemos ser iguais ao meu pai. Por que querer seguir o caminho da minha mãe, uma mulher sem força nem vontade para nos oferece a oportunidade de conquistarmos nosso lugar? Quando filha, eu ajudava a arrumar a casa, mas me recusava a aprender a usar uma agulha ou ir à cozinha fazer comida. Este era o lugar da minha mãe. O única lugar dela, por isso, não nos dava espaço para aprender a cozinhar o que quiséssemos. Eu me sentia uma total incompetente neste ponto, tanto que quando fui morar no meu apartamento que comecei a aprender a fazer comida. Sinceramente, nunca curti isso,  e continuo não curtindo. Quando faço é por necessidade ou para ajudar meu marido. Não por que eu goste.

Meu pai sempre teve uma vida mais interessante e inteligente. Sempre teve o poder de escolha, que nós não tínhamos. Então, qualquer outra mulher, como uma professora de Faculdade, era um modelo melhor a seguir do que a minha mãe. Tanto que quando saí de casa, comecei a me entender melhor com meu pai. Mesmo que tenhamos tido momentos bem difíceis juntos. Pelo menos, ele sempre me ouviu. Por mais machista e preconceituoso que fosse.

Meus pais deram o melhor tipo de infância para minha filha. Porém, fico muito feliz em saber que na adolescência, ela teve a oportunidade de ser bem mais crítica, empática social e sexualmente, a ponto de me ajudar em vários vocabulários sexistas, homofóbicos, racistas, que eu falava, sem tomar consciência do que estava falando. Isso porque eu concordava com a maneira como os professores e as escolas a educavam. E sou muito grata a eles pela educação que ela recebeu. Eis um exemplo típico de como acredito nas novas gerações.

Ao contrário, sempre dei todos os poderes para minha filha. Sempre confiei totalmente nela. Ela sempre foi mais crítica e esperta do que eu em muitos momentos. E foi a primeira mulher que meu pai ouviu totalmente, mesmo que ele nunca concordasse, mas também não discutia nunca. Discutiu comigo várias vezes, mas me ouviu, porque quanto eu realmente não gostava do que ele dizia, eu me afastava e deixava ele falando sozinho. Tivemos vários conflitos por causa disso. Mas acabei fazendo tudo o que eu quis a partir do momento em que saí de casa para viver no meu apartamento. Isso criou uma relação de mais respeito entre nós dois.

 

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